27/07/2016

Aurora Boreal




Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.


António Gedeão


6 comentários:

  1. Boa noite Maria! Belíssimo poema...
    Carinhoso abraço

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  2. Lindo este poema de António Gedeão, gostei muito. Um beijinho grande minha amiga.
    Miuíka

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  3. Não conhecia este Poeta. Mas adorei o poema!

    Beijo

    http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

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  4. Poxa...que tão lindo e intenso poema, eu não conhecia e AMEI ler...obrigada por partilhar, sua postagem ficou lindíssima, Maria...parabéns!!! abraços, ania..

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  5. Felicidades, querida amiga!Beijos, beijos...

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  6. Muito interessante e belo o poema com estas janelas,
    que não entram a paz do poeta.
    Gostei.
    Bjs

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“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” (Antoine de Saint-Exupery).

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