Sem o querer lembrar,
E inerte se desmembra
Como um fumo no ar,
É a música que a alma tem,
É o perfume que vem,
Vago, inútil, trazido
Por uma brisa de agrado,
Do fundo do que é esquecido,
Dos jardins do passado
Aquilo que a gente sonha
Sem saber de sonhar,
Aquela boca risonha
Que nunca nos quis beijar,
Aquela vaga ironia
Que uns olhos tiveram um dia
Para a nossa emoção —
Tudo isso nos dá o agrado,
Flores que flores são
Nos jardins do passado
Não sei o que fiz da vida,
Nem o quero saber
Se a tenho por perdida,
Sei eu o que é perder?
Mas tudo é música se há
Alma onde a alma está,
E há um vago, suave, sono,
Um sonho morno de agrado,
Quando regresso, dono,
Aos jardins do passado.
Fernando Pessoa
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